Há 14 anos, a advogada Joana Garcia decidiu mudar de vida, ser mais feliz, e tornou-se queijeira. Um percurso sinuoso – sobretudo porque na altura tinha dois filhos pequenos, Frederico e Francisco, hoje com 19 e 15 anos, respetivamente – mas gratificante. E essa decisão já lhe trouxe a melhor das recompensas: ver o seu queijo de ovelha amanteigado ser distinguido em prova cega, entre 3804 queijos de 42 países, com a medalha de ouro dos World Cheese Awards, o maior concurso mundial da especialidade.
Hoje com 48 anos, a proprietária e fundadora da queijaria Monte da Vinha, no Vimieiro, terra da sua avó paterna, que nada tinha a ver com a arte de fazer queijos, garante que finalmente tem a vida com que sempre sonhou: sem pressas e rodeada de sorrisos e boa disposição.
– Como é que uma advogada se torna queijeira sem ter antepassados ligados ao fabrico?
Joana Garcia – Começou com uma conversa muito louca que tive com o meu pai, em que manifestei que não estava feliz no que fazia. Não me sentia realizada nem a nível pessoal nem profissional e pus-me em busca de algo. O meu pai, que mora no Vimieiro, terra da minha avó, disse-me que ali já se tinha perdido a arte de fazer queijos e sugeriu-me recuperar essa tradição e honrar os meus ancestrais. Não sabia muito bem por onde começar, não tinha quem me ensinasse, e então fui por tentativa e erro. Juntei o dinheiro que tinha e fundos europeus, mas criei um plano desadequado e quando comecei o meu primeiro queijo, feito por mim, correu pessimamente. [Risos.] Estive dez meses a deitar leite e queijo fora. Quis fazer queijos completamente diferentes e que se distinguissem, que fossem de excelência.
– E como é que as dificuldades que atravessou não a fizeram desistir e voltar para o que sabia fazer?
– Porque sou muito resiliente e tinha noção de que tinha de fazer queijos com respeito pela tradição, pelas matérias-primas, completamente orgânicos, puros e feitos com muito amor. Depois, eu queria fazer um queijo pequenino, de 120 gramas, porque na altura os queijos amanteigados eram enormes… Hoje as famílias são mais pequeninas, os miúdos nem sempre gostam de queijo, não fazia sentido haver apenas queijos de quilo. Fiz este queijo especificamente para a classe executiva da TAP, mas depois os chefs e os meus clientes viram aquilo como um bombom que colocam na mesa, e então tornou-se viral. E foi com este queijo que ganhei o prémio. Foi o maior reconhecimento da nossa resiliência e amor.
– Essa mudança de vida numa altura em que os seus filhos eram muito pequenos deve ter sido um desafio redobrado…
– A advocacia é terrível para quem tem filhos, os timings têm de ser rigorosamente cumpridos, não há tempo para filhos doentes. É de uma responsabilidade enorme. Não quer dizer que os queijos não sejam, mas eu giro a minha vida, o tempo para os meus filhos. A maternidade até serviu de alavanca para tentar ter uma vida mais feliz, sem passar o tempo a gerir confrontos e misérias. Hoje em dia, as minhas reuniões são a comer queijo e a beber vinho e todos estamos a sorrir e contentes. E a verdade é que sou muito mais feliz como queijeira do que alguma vez fui como advogada. Tenho tempo para os meus filhos e para as pessoas que amo. Nunca mais ganhei o dinheiro que ganhava como advogada, mas também não preciso de tanto.
Uma entrevista para ler na íntegra na edição 1279 da CARAS