João Ribeiro, marido de Cláudia Semedo, acredita que cada pessoa tem um superpoder único – o poder de sermos nós próprios. E é seguindo esta crença que Cláudia vai caminhando pela vida, deixando sempre a sua marca única e transformadora. Sem cair nas limitações da comparação e sem nunca fechar os olhos e o coração ao que a rodeia. Por isso o Presidente da República convidou-a para fazer parte do grupo de reflexão para o futuro de Portugal, onde a atriz sente que põe em prática, de forma efetiva, a sua cidadania. Este seu ativismo social convive de mãos dadas com o trabalho que faz com a Companhia de Atores no Teatro Municipal Amélia Rey Colaço. Um ativismo audível e visível em todas as áreas da sua vida, inclusivamente na forma como apresenta o mundo aos filhos, Alice, de sete anos, e André, de dois.
– Se a felicidade está intrinsecamente ligada à noção de quem somos, qual é o grau da sua felicidade?
Cláudia Semedo – Respondo com Almada Negreiros, mal citado: cada vez estou mais exatamente em mim. Embora essa felicidade seja um estado que nos vai acompanhando e que não se quer permanente. Convivo muito tranquilamente com os meus momentos sombra. Claro que tenho episódios duros e momentos mais desassossegados, mas são necessários. Portanto, sou muito feliz.
– Esse desassossego é necessário para as suas lutas?
– É. As minhas inquietações ditam muito as minhas ações. Foi nos momentos mais difíceis da minha vida que melhor me defini, burilei mais projetos meus, percebi que a única coisa que me separa da concretização de um projeto que está na minha cabeça sou eu própria. Por isso agradeço os momentos de inquietude. Já há muito que tomei como minha a responsabilidade dos meus resultados, pelo que não me resta outra hipótese senão agir. Tenho tentado ter o cuidado de nas minhas decisões conseguir deixar o solo harmonizado, não sou um furacão que deixa tudo de pernas para o ar. Mas desenganem-se se acham que está aqui uma paz inativa.
– O amadurecimento traz mais questões ou mais certezas?
– Mais questões. Não vale a pena ter certezas, vale a pena levantar questões, e é isso que define a minha vida. E enquanto mãe questiono tanto. Inclusivamente coisas que achava que eram exatamente assim. Mas amadurecer é aceitar que não sabemos quase nada e encontrarmos algum conforto nas decisões que vamos tomando à luz daquilo que somos. É um caminho, e aprendo muitas coisas com os meus filhos. Eles têm certezas inspiradoras.
– Os filhos vêm ajudar a esta equação?
– Muito. Eles são o melhor exemplo, porque é difícil quantificar o amor e é maravilhoso como nós nos multiplicamos para amar com uma intensidade inigualável. E conseguiram levar-me para um sítio em que sinto que está tudo certo. Sem julgamentos.
– O que é difícil, dado que vivemos numa sociedade que julga tudo. Mas a Cláudia tem lutado contra esse julgamento, contra o preconceito… Em sua opinião, o preconceito sabe a quê?
– A podre, a solo infértil. Nada nasce do preconceito. O preconceito é a antítese da forma como quero estar na vida.
– E como é que o explica aos seus filhos?
– Da forma mais natural possível. Agora estamos na fase em que a Alice nos conta que na escola chamam “gordo”, “preto”, “cigano”, um sem-número de coisas, a algumas crianças. E aquilo que faço é ajudá-la a pensar sobre isso, ou seja, tento não passar nenhuma certeza sobre nada e tento que perceba o que sente. Por exemplo, ela disse que alguém chamou “preto” a um menino. Perguntei-lhe se ele era preto, respondeu que não, que era castanho-claro. Então perguntei-lhe de que cor era ela. Retorquiu: cor de pele. Perguntei-lhe de que pele, porque a minha pele também é pele. E aí percebeu que não faz sentido. Ou seja, ela chega rapidamente ao que importa. Mas é difícil perceber que os meus filhos têm mais mundo do que aquele que já lhes dei. A sociedade promove muito a massificação do ser, do estar, do agir.
– Tem-se negado a ser um nada no todo desta sociedade. É um caminho ainda mais difícil por isso?
– É, mas não conheço outro caminho para mim. Não consigo ser feliz nas escolhas que não são verdadeiramente minhas. Portanto, é uma forma de estar natural. E estou a aprender a estar confortável com as dificuldades que o caminho me traz.
– O teatro ajuda nesta tentativa de entender e explicar a vida?
– Completamente. O teatro faz-te questionar e olhar para o mundo de maneira diferente. No teatro dás e recebes e promoves a tua evolução, mas também ajudas à evolução do outro. Sinto-me muito afortunada por ter esta paixão. Trabalhar nesta área é cumprir-me.
– Mia Couto escreveu que devíamos passar um sonho pela cara logo de manhã, porque é isso que impede o tempo e atrasa a ruga. É isso que faz todos os dias, então?
– Tão lindo. É totalmente isso. É importante percebermos que o sonho não é algo distante de nós, aliás vive em nós. Os sonhos são fundamentais para que a vida aconteça, são bocadinhos de esperança.
– Em sua casa sonha-se muito?
– Tanto! Em minha casa há muito espaço para o sonho e nela há pessoas muito disponíveis para sonhar, para falhar, para acertar, para amar. É importante alimentar os sonhos e o amor, para que não nos sintamos reféns de uma vida que não nos serve.
– Ao fim de sete anos de casamento, como define o amor que vive agora?
– Instalado, mas em constante procura. Temo-nos um ao outro e sabemo-nos nossos, mas estamos sempre em movimento. É um amor muito compreensivo das necessidades de cada um, muito atento e muito generoso com a identidade de cada um. E é um amor que me faz bem, é sereno. E ganhou nova dimensão com os nossos filhos. É delicioso ver o João enquanto pai. Já o conhecia pai da Alice e agora enquanto pai do André ainda me conquista mais. Sou muito apaixonada pelo meu marido, ele faz-me olhar muito para quem eu sou, é um amor com sabor a paixão mas sem a sua sofreguidão. E isto a quatro tem sido muito fácil e bonito. A Alice é apaixonadíssima pelo irmão, ele também é por ela, embora nem sempre se lembre. Tem sido muito bom, estamos muito bem assim e não pensamos ir ao terceiro. [Risos.]