
João Lima
Foi o bairro da Ajuda que o viu nascer e crescer. Rodeado de música e de livros, foi lá que se fez fadista sem saber. Hoje, Ricardo Ribeiro é um nome incontornável do fado, mesmo que o seu último trabalho – Respeitosa Mente – seja um disco que não é de fados, como gosta de sublinhar. Mas é esse destino que lhe corre nas veias e lhe eleva a voz sempre que decide cantar a vida em forma de poesia. Para isso teve de encarar a sua e tudo o que já viveu. Marcado por uma infância exigente – foi-lhe difícil superar a separação dos pais –, passou por uma tentativa de suicídio na adolescência e por uma depressão em adulto, pelo que carrega consigo a luz e a sombra de quem tem lutado para fazer as pazes com o passado. Neste caminho, Ricardo Ribeiro soube olhar para dentro e transformar-se também por fora: depois de um combate contra o excesso de peso, perdeu 50 quilos e tem hoje um olhar diferente perante a vida. O que nunca muda é o amor. Aquele que vive e aquele que dá, na mesma medida, seja à namorada, seja à filha, Carolina, de 14 anos.
– Já fez muita coisa ao longo da vida, mas o fado claramente faz parte do seu destino. É nele que se cumpre?
Ricardo Ribeiro – Em traços gerais, sim, porque é ao fado que devo tudo. Devo a vida que tenho e devo, fundamentalmente, aquilo que sou ou que julgo que sou. O fado esteve sempre tão ligado a mim que é uma coisa quase sanguínea. Não há como dissociar esta expressão lisboeta da minha pessoa e, se calhar um dia destes, a minha pessoa desta expressão lisboeta.
– Sempre teve essa consciência?
– Não, porque há coisas que não têm a ver com consciência, têm a ver com a vida. E o fado é tão natural como a vida, é interior. Não preciso de ter consciência para cantar, só preciso de ter consciência da própria vida para lhe dar voz.
– Há um verso de António Ramos Rosa que diz: “Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.” Identifica-se?
– Sim, de alguma forma. Não sei a que ponto é que ele se refere ao vazio… O mar pode ser o vazio, um amor também pode ser o vazio. Claro que o amor preenche uma série de coisas, porque o amor salva, transforma. A nossa maior virtude é a boa vontade, e o amor o que é senão a boa vontade para comigo e para com os outros? Mas na minha vida vou tendo intermitências do vazio.