Manuel Luís Goucha chega ao Mosteiro de São Dinis e São Bernardo, onde funciona o Instituto de Odivelas, exatamente à hora marcada. De camisa irrepreensivelmente engomada, o apresentador não desilude na aparência: é o mesmo Manuel Luís, elegante e de porte distinto, que se vê na televisão. No local, o apresentador, que é um apaixonado pela gastronomia e pela História de Portugal, deslumbra-se de imediato com os azulejos da cozinha do convento. E é com o habitual à-vontade que conta à equipa histórias de sabores e de amores proibidos “confecionados” entre aquelas paredes.
Aos 60 anos, Manuel Luís Goucha dispensa apresentações. Cara incontornável das manhãs televisivas, o apresentador conquistou o seu lugar por mérito próprio e é sem falsas modéstias que admite “sou dos melhores.” Apesar de viver uma relação longa e feliz com Rui Oliveira, o apresentador assegura que o trabalho é a sua vida, o que nunca pôs em causa a importância que dá aos afetos.
Tendo como mote a coleção de sapatos que desenhou, à qual chamou Destino(s), Manuel Luís conversou com a CARAS sobre o trabalho, a vida e os sonhos por realizar. E o que começou como uma entrevista deu lugar a uma conversa descontraída que nos deixou com vontade de ter o gravador no on pela tarde fora.
– Não podíamos fazer esta produção num sítio mais apropriado, já que é um apaixonado pela gastronomia conventual e pela História de Portugal…
Manuel Luís Goucha – Também associo este espaço a uma certa quietude, os conventos têm essa paz. São lugares dos homens com os olhos postos no céu. Sou agnóstico, mas gosto muito destes lugares de reflexão e de oração. E depois, dos conventos sai a pujante doçaria conventual!
– Sendo alguém que viaja tanto, ainda é fácil surpreender-se?
– Surpreendo-me cada vez mais! E sobretudo em Portugal. Há zonas do país que ainda nem conheço. E sou irrequieto por natureza, quero conhecer cada vez mais coisas. Sou um curioso.
– A idade não atenuou essa curiosidade em relação à vida?
– Não quero que a idade me traga serenidade! Quero ser irrequieto e curioso até ao último instante da minha vida. Ter desafios é o que nos estimula. Temos sempre tudo para aprender. E não perco tempo em questões menores nem com coisas que não têm importância alguma.
– Tem 60 anos. Lida bem com o avançar da idade?
– Tenho 59, porque me recuso a fazer 60. [risos] Lido muito bem, porque não estou uma velha carcaça! Mas irrita-me a ideia de ter 60 anos.
– É um homem muito racional, que questiona tudo. Não tem certezas na vida?
– Se tiver certezas fico sem margem para me pôr em causa. Nem tenho a pretensão de ter certezas. E se as tivesse seriam apenas a minha verdade! Não me dou tanta importância assim. Aliás, dou-me importância porque sou profissional e sei o homem em que me tornei, gosto daquilo que sou e como sou.
– Portanto, não alimenta o seu ego…
– Nada. Quer dizer, a minha profissão é narcísica, alimenta o ego. Não me venham dizer que quem faz televisão não tem o ego inchado! O difícil é, justamente, convivermos com os outros egos. Mas não me levo a sério para me achar o melhor.
– Mas essa afirmação pode parecer contraditória, já que aparenta ser um homem seguro e orgulhoso de si próprio…
– Mas eu sou seguro. Como cidadão, tenho valores e pontos de vista que me norteiam o caminho. Respeito muito as opiniões dos outros, não aceito é que me queiram catequizar! O meu caminho nem sempre é em linha reta, mas as curvas e os despistes são o que torna a vida interessante.
– Então não se importa de errar…
– Já errei muitas vezes. O erro faz parte de um percurso que se quer construir. Agora, aprendo é com os meus erros.
– E nesse caminho procura o perfeccionismo?
– A minha vida é a profissão, sobra muito pouco tempo para o resto. O meu trabalho é uma grande paixão, tal como a arte. São dois vetores que conduzem a minha vida. Acabo sempre por estar a trabalhar. O que me move é mesmo o trabalho. Mais do que o perfeccionismo, o que procuro é não me desiludir a mim próprio. Em ato
algum da minha vida quero ficar triste comigo. Mas em termos profissionais procuro o perfeccionismo que não existe, na verdade.
– Mas não quer ser considerado o melhor apresentador televisivo?
– Eu sou dos melhores, não tenho dúvidas disso. Estou na primeira linha da apresentação em Portugal. Mas que importância é que isto tem? Nenhuma! Tem importância para mim, porque quero ser um grande profissional da televisão.
– E para um homem que valoriza tanto o trabalho, que lugar lhe merecem os afetos?
– O afeto é palpável, tem espessura. E eu também tenho o meu lado afetivo.
– Mas precisa dos afetos? É um homem carente?
– Não sou um homem carente. Gosto de pessoas e gosto de ser gostado. Mas adoro estar comigo próprio. Contudo, não tenho condição de eremita. Sou um homem de afetos, mas não sou piegas.
– Nos últimos anos, o Manuel Luís adotou uma atitude mais descontraída em relação à sua vida privada, chegando a posar com o Rui, o seu companheiro, por exemplo…
– O Rui faz parte da minha vida e se ele vai a sítios públicos comigo, poso com ele. Mas não falo da minha relação. A única coisa que já disse foi que o Rui é a pessoa mais importante da minha vida a seguir à minha mãe. Somos duas pessoas distintas, mas que partilham afetos e a mesma casa. As coisas têm de ser assumidas com grande naturalidade, tranquilidade e, acima de tudo, com elegância.
– E imagina que a sua vida, daqui a uns anos, seja apenas “amor e uma cabana”? Ou melhor “amor e uma casa em Sintra”? Imagina a sua vida sem a televisão?
– Sem a televisão terá de ser, mas conto ainda fazer muita coisa no ecrã. Não vou estar muitos mais anos a fazer programas diários, mas poderei estar a fazer conteúdos sobre História, por exemplo. E posso nem viver em Sintra! Adorava viver no Alentejo, no Douro ou nos Açores. Não me quero ver é sentadinho, com uma manta em cima dos joelhos a ver o programa da manhã! [risos] Sou feliz, porque tenho a vida que sempre quis.
– Ao fim de tantos anos ainda se sente realizado ao fazer o Você na TV!?
– Dá-me tanto gozo como no primeiro dia. Saio de lá feliz e cansado de tanto rir. A minha maior extravagância é ser feliz. Tenho três horas diárias de pura felicidade.
– Entretanto, surgiu o desafio de criar a sua própria linha de sapatos…
– A Eureka convidou-me para criar uma coleção e achei o desafio muito interessante. Escolhemos como tema as viagens e batizei logo a coleção de Destino(s), com o “s” entre parêntesis para jogarmos com o destino. Escolhi quatro cidades de que gosto muito: Paris, Lisboa, Veneza e Marraquexe. Há mais, para uma futura coleção. Criámos seis modelos, um deles é unissexo. E o aliciante foi trabalhar a visão que tenho de cada cidade e materializá-la em sapatos. E fizemos sapatos para mulheres e para homens. Tudo foi pensado ao pormenor.