"Ela tem a voz, a presença e algo totalmente único, o tal fator que não se consegue explicar." É desta forma que
Gustavo Santaolalla, produtor e músico argentino que já ganhou dois Óscares, descreve
Cuca Roseta, de 29 anos. A música sempre fez parte da sua vida, mas foi já mulher que percebeu que o seu
"destino" ia fazer-se ao ritmo do fado. Há quatro anos, Gustavo Santaolalla ouviu-a e manifestou vontade de trabalhar com ela. O tempo passou, Cuca continuou a cantar o fado, foi mãe de
Lopo, de três anos, mas o músico argentino não perdeu o contacto nem a paixão pelo talento da fadista e fez questão de produzir o seu primeiro disco, editado recentemente.
Foi sobre a vida que canta no fado que falámos com Cuca Roseta depois de uma sessão fotográfica no Farol de Santa Marta, em Cascais.
– A Cuca já cantou vários géneros musicais, esteve durante algum tempo nos Toranja, mas acabou por dedicar-se em exclusivo ao fado. Porquê?
Cuca Roseta – O fado motiva-me mais do que qualquer outro género musical e foi por isso que achei que podia fazer dele vida. A busca pela verdade das emoções é uma coisa que me cativa imenso e é apaixonante. É um caminho, olho para frente e ainda tenho a minha vida toda para cantar o fado.
– Como é que se encontrou com o fado?
– A música encontro desde que nasci, porque em minha casa toda a gente canta, menos o meu pai. Agora o fado encontrei aos 19. Fui ao Clube de Fado, onde canto agora, e comecei a ouvir fado para minha inspiração. Depois, aos 21, é que começo a cantar fado, até lá só ouvia.

– Nunca se imaginou a fazer outra coisa que não cantar?
– Eu nunca me imaginei foi a cantar. Adorava cantar, mas só como
hobby. Queria ser psicóloga e licenciei-me em Psicologia, depois tirei uma pós-graduação em Marketing. Na altura já estava pronta para ir tirar o mestrado em Antropologia, mas foi aí que o Gustavo apareceu.
– E não se recusa um convite de Gustavo Santaolalla…
– Dá-me uma felicidade enorme ele gostar de mim, mas também é uma responsabilidade. E penso:
"O que é que ele vê em mim de tão especial?" E tenho de corresponder a essas expectativas. Ter uma pessoa como ele a trabalhar comigo é extraordinário… Ele não quis mudar nada no fado. Apenas quis que as pessoas me ouvissem neste disco como se eu estivesse a cantar-lhes ao ouvido.
– O que é que este disco, e a sua música, podem dizer sobre si?
– Dizem tudo. A escolha de reportório de um fadista conta sempre um bocadinho a sua história. Eu escrevi três letras e é a minha vida que lá está. Todas as músicas que escolhi me dizem muito.
– Em cima do palco a Cuca entrega-se e canta de forma intensa. Na vida também é assim?
– Sou, sem dúvida. Como dizem os meus amigos, sou uma guerreira, mas também tenho o meu lado cor de rosa. Sou completamente apaixonada pela vida, pela natureza.
– Quais são os seus sonhos?
– Acredito que nós vivemos para descobrir o dom que temos, que tem de ser encarado como uma missão. Isso exige sacrifício, mas sem ele não vamos a lado nenhum. Os meus sonhos têm que ver com isso, explorar o meu dom ao máximo. Nunca penso no futuro e só quero que ao cantar seja o mais verdadeira possível. O nosso trabalho tem de fazer as pessoas felizes naquele momento em que nos ouvem cantar.

– Tanto na psicologia como no fado há um interesse pelos sentimentos. Que peso têm as emoções na sua vida?
– Têm um peso muito grande. Sou uma mulher de detalhes e procuro a simplicidade das coisas. As pessoas complicam muito a felicidade.
– Há pessoas que associam o fado à tristeza e à saudade. A Cuca tem esse lado mais melancólico?
– Não gosto muito dessa descrição do fado. O fado é a canção dos sentimentos e fala de amor, saudade, tristeza, mas não acho que seja triste. O fado precisa é de experiência e de peso. Quem teve tudo de mão beijada, quem não teve de lutar, não chegou à essência das coisas. O sacrifício faz parte da vida. É através do sofrimento que a pessoa volta a nascer. O fado também precisa de uma paixão maluca, de um amor profundo…
– E já viveu tudo isso?
– Já. [risos] Ainda tenho 29 anos e vou viver muito mais.
– Ser mãe foi algo planeado na sua vida ou foi uma surpresa do destino?
– O meu filho foi planeado, na altura. Eu estava com o pai do Lopo, já tínhamos namorado em miúdos, dos 14 aos 16 anos, reencontrámo-nos dez anos depois e planeámos o nosso filho e até casarmo-nos. Mas depois não correu bem… Quando o Lopo apareceu na minha barriga foi uma felicidade enorme e tem sido todos os dias. Desde os 18 anos que dizia que queria ser mãe e ele chegou aos 26. Precisava dessa maturidade. Ser mãe foi uma experiência que me abanou, porque antes de termos filhos vivemos completamente para nós. E depois fazemos tudo por eles. Toda a luta gira à volta daquela criança. E isso dá-nos uma garra…

– Mudou muito com a maternidade?
– Mudei, completamente. A maternidade trouxe-me regras, mais responsabilidade, garra e firmeza. Sou uma pessoa muito ‘aluada’, ligada ao lado espiritual e é preciso ter também os pés no chão. Ser mãe tornou-me uma mulher mais equilibrada. Precisava de viver todos os dias por uma coisa concreta, que é fazer uma criança feliz, dar-lhe o melhor. Também tenho momentos de paragem e de meditação, mas não me ocupam as 24 horas.
– Como vai conciliar os espetáculos com a maternidade?
– Os meus pais sempre disseram que eu queria fazer tudo ao mesmo tempo e faço. Vou gerindo as coisas… Sou muito mãe-galinha, mas também gosto da ideia de ir apresentar a nossa cultura pelo mundo.
– E apaixonar-se novamente, seria bom para cantar o fado?
– Não… Quando me apaixono vivo isso com muita intensidade e sou muito afetiva. Na vida é preciso estarmos realizados nas várias áreas e neste momento tenho de estar centrada na minha carreira. Mais tarde o amor aparecerá, na altura certa. Este é o meu destino e preciso de todas as forças canalizadas para a música.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.