Ana Moura, grande voz do fado e vencedora do Globo de Ouro de Melhor Intérprete Individual na categoria de Música de 2009, uma distinção que a deixou "
muito feliz", aceitou o meu convite para um encontro e uma conversa. Com 31 anos, tem quatro discos editados:
Guarda-me a Vida na Mão,
Aconteceu,
Leva-me aos Fados e
Para Além da Saudade. Já cantou com os Rolling Stones no Estádio de Alvalade perante 30 mil pessoas e está a trabalhar num projeto com
Prince. Neste momento, passa mais tempo no estrangeiro do que em Portugal.
– O fado parece estar na moda. Acha mesmo que os jovens deste tempo ouvem fado, compram discos de fado e vão às casas de fado?
Ana Moura – Nos meus concertos vejo cada vez mais gente nova. O fado não é uma questão de moda. Há uma geração nova que o canta e que dá a sua interpretação nova ao fado. E não só os intérpretes, mas também os músicos trazem uma abordagem nova. Isso tudo faz com que os jovens se identifiquem com o fado e o procurem.
– A Ana cresceu com o fado ou foi o fado que foi crescendo na Ana?
– Foi o fado que foi crescendo em mim. Eu tive um primeiro contacto com o fado através dos meus pais, só que, como qualquer jovem, comecei a ter interesse por outros géneros de música. Mas sempre com um carinho especial pelo fado.
– Quem são as suas grandes referências?
–
Amália Rodrigues. Ela reunia todas as qualidades que eu acho necessárias para um intérprete de eleição. Tinha um timbre único, uma extensão vocal enorme. E a alma e o bom-gosto com que interpretava, tudo de uma forma muito natural, nada exibicionista…
– Em que se inspira quando começa um novo álbum ou uma nova turné?
– Depende… Os meus álbuns não têm tido um conceito comum. Vão-me oferecendo músicas, poemas… Tudo vai sendo recolhido por paixões do momento. O fado vive muito disso, da espontaneidade, daquilo que se sente no momento. Eu vou procurando as minhas inspirações nas minhas experiências do dia-a-dia.
– Há um lugar especial?
– É engraçado, porque esse lugar especial é um lugar muito simples. É o jardim onde passeio a minha cadela. Eu tenho uma cadela que adoro. Esses passeios nesse ‘meu’ jardim inspira-me muito.
– Já cantou nos quatro cantos do mundo. Qual foi o país que a marcou mais?
– Todos me têm marcado de diferentes formas. Adoro sentir que viajei mesmo, sentir que estou num sítio completamente diferente. E a viagem à China marcou-me muito pela diferença cultural, que é muito grande. Na China, fui aos templos e fiz os rituais todos. Já Cuba marcou-me muito pela essência das pessoas, as pessoas são muito bonitas, muito afectuosas e são naturalmente cultas.
– E qual foi o público mais acolhedor?
– Cada público tem a sua maneira de se exprimir. O público para quem canto mais é o do Norte da Europa, em países como a Holanda, a Finlândia e a Suécia. Eles de facto são muito tímidos, durante os concertos não se expressam muito, mas depois, no final, não nos deixam sair do palco. Gosto muito do público norte-americano, é muito comunicativo.
– Passa mais tempo em Portugal ou no estrangeiro?
– Neste momento, com todas as minhas digressões, é no estrangeiro.
– Qual é o lugar onde mais gosta de estar depois de Portugal?
– Depende do meu estado de espírito, mas provavelmente escolheria Amsterdão, porque é como uma segunda casa para mim. Quando faço digressões à volta da Holanda, fico sempre em Amsterdão, e depois vou viajando. É uma cidade muito bonita e com imenso charme.
– O que faz nos seus tempos livres?
– Quando os tenho, aproveito para estar com a minha família. Sobretudo com a minha sobrinha, que vive na Madeira. Gosto muito de ler, de ouvir música. A música é muito importante para mim, tem um poder enorme na minha vida. Por vezes estou triste e sei qual é o CD que vou pôr para me fazer mudar de estado de espírito.
– O que é que lhe falta fazer?
– O que me falta é dedicar-me a mim própria! Tenho tido pouco tempo para a minha vida pessoal. Há muito tempo que não tenho férias, há quase seis anos! Tenho o problema de não saber dizer não na minha vida profissional. À conta disso, vivo a um ritmo alucinante.
– Qual foi a sensação de ter cantado com o Mick Jagger no Estádio de Alvalade?
– Indescritível! Quando subi ao palco, vi logo o
Ron Wood e o
Keith Richards, que são muito brincalhões e começaram logo a brincar comigo. Eu estava muito nervosa, e aquilo fez com que me sentisse mais à vontade. Caminhei em direcção ao
Mick Jagger e o público começou a gritar o meu nome, e isso acarinhou-me. Muitas vezes não tenho a oportunidade de usufruir dos momentos na plenitude, porque quero dar o meu melhor, mas nesse momento fui feliz. Foi mágico!
– O que aprendeu com os Rolling Stones?
– Conhecê-los pessoalmente permitiu-me perceber que estrelas planetárias podem ser tão humanas e tão simples… Digo isto porque no início da minha carreira, eu, que sou introvertida e um pouco tímida, trabalhava com pessoas que achavam que eu devia adotar uma personagem, mas nunca encarei a música dessa forma. Queria ser natural e honesta. O facto de ter "lutado" contra essas pessoas, que queriam o meu bem, e depois conhecer os Stones e perceber que eles não precisam de personagens foi muito importante para mim.
– Em que consiste o Rolling Stones World Music Project, projecto do saxofonista Tim Ries em que participou?
– São vários artistas que cantam músicas dos Stones, mas com o seu próprio estilo e interpretação. Estou acompanhada da guitarra portuguesa e da viola, canto metade da música em português, com o meu jeito de fadista, e a outra metade em inglês e como os Stones a tocarem. Gravei
Brown Sugar e
No Expectations. São artistas de todo o mundo, conta com 65 cantores e músicos provenientes de 13 países e é cantado em nove línguas. O disco foi gravado nos quatro continentes, em seis cidades, no espaço de 18 meses.
– Sente que de uma certa forma promove a cultura portuguesa no estrangeiro?
– Sim, sem dúvida, sinto essa responsabilidade, esse peso. Porque cantar fado não é como cantar outro tipo de música. Sinto que exporto uma parte da cultura portuguesa.
– Quem lhe faz os seus vestidos de palco?
– O
José António Tenente, há quase dois anos. Identifico-me muito com a personalidade do Zé.
– O que faz para se manter em forma?
– Bebo muita água. E tenho que comer bastante para manter o meu peso, senão emagreço de mais e não fico bem.
– Há alguma causa humanitária a que gostasse de se dedicar?
– Gostava muito de me associar a
Ale-
xandra de Cadaval nos seus projetos em Moçambique, contribuir para o seu trabalho com as crianças com sida.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.