Foi através de uma carreira ímpar que
Rosalina Machado construiu a sua imagem pública. Durante largos anos, a empresária comandou o destino da Ogilvy & Mather, tornando-se uma das mulheres de maior sucesso em Portugal. Mas não foi apenas no campo profissional que a empresária teve um percurso feliz. Casada há 42 anos com o também empresário
Francisco Machado e mãe de
João Pedro, de 39 anos, Rosalina nunca descurou o seu papel na família, e hoje sente que a missão foi cumprida… e bem cumprida. Aliás, fazer as coisas da melhor forma possível parece ser o seu lema de vida.
Contudo, a exigência consigo própria não a tornou uma mulher rígida. Faz planos, mas não abdica de sonhar e de ser surpreendida pela vida. E, apesar de gostar de saber o que se segue amanhã, aproveita ao máximo o presente, desfrutando dos pequenos prazeres que o dia-a-dia lhe oferece, como, por exemplo, os momentos ao lado dos netos,
Catarina, de seis anos, e
Diogo, de três, seus companheiros de brincadeiras, como saltos em cima da cama.
Agora que vendeu a sua parte na Ogilvy & Mather, a empresária dedica-se ao Belcanto, um restaurante em Lisboa, aos negócios da família e aos netos. Foi durante uma conversa franca, em sua casa, em Sintra, que Rosalina Machado falou sobre as emoções, fragilidades e qualidades que fizeram de si uma mulher que conduz o leme.
– A Rosalina não parece ser a avó típica. Como é a relação que tem com os seus netos?
Rosalina Machado – Para já, ser avó é a garantia de uma continuidade familiar, do nome daquilo que foi começado por nós ou que veio até nós. E, depois, é poder ter com os netos uma atitude de menos rigidez do que com os filhos, porque são os pais que têm de educar, os avós não. A minha relação com os meus netos é de muita cumplicidade, de companheirismo. Talvez não seja a relação de avós e netos mais habitual, porque não tem nada de protocolar ou de distanciamento. Não os vou buscar ao colégio ou à ginástica, mas corremos juntos, saltamos em cima da cama… Eu sou a avó das brincadeiras. Os meus netos acham que eu tenho a idade deles. Ou também poderá ser o contrário e eu achar que tenho a idade deles. [risos] Mas não é melhor ser avó do que ser mãe.
– Porquê?
– Porque adorei ser mãe. Desejei muito ter um filho ou mais, quatro ou cinco era o nosso limite, o meu próprio filho gostava de ter tido irmãos. Aliás, até criou um irmão imaginário! Um dia, quando fui buscá-lo ao colégio, o irmão Oliveira, que trabalhava lá, disse-me: "O João Pedro gosta muito de estar com os adultos, mas o que ele gosta do irmão!" E eu disse-lhe: "Ó irmão Oliveira, desculpe, mas só se for filho do pai. Porque meu não é!" [risos]
– Arrepende-se de não ter tido mais tempo para ter esses cinco filhos?
– O facto de não ter tido cinco filhos não foi por falta de tempo. Aliás, teria optado claramente por ter tido esses quatro ou cinco filhos. Mas não aconteceu. E como não aconteceu, assim também não retirei à família, ao João Pedro, tempo para a parte profissional. Acho que uma das grandes vantagens que tive na vida foi geri-la de uma maneira muito equilibrada. Não roubei tempo à família, roubei-me tempo a mim. Daí ter-me desabituado de fazer ginástica, massagens, muitas coisas que nós, mulheres, gostamos de fazer.
– No fundo, a Rosalina é a prova de que é possível conciliar uma família com uma carreira de sucesso…
– Pela prática, sim, sem dúvida nenhuma. Temos de fazer opções. Ter mais filhos foi dos poucos sonhos que não consegui realizar. É a primeira vez que o digo.
– Mas foram poucos os sonhos que não realizou…
– Sim, talvez porque os meus sonhos também não fossem impossíveis de concretizar… Não fui demasiado ambiciosa naquilo que quis. E talvez por isso consegui essas vitórias. Talvez não tivesse querido de mais. Tive apenas ambição quanto baste.
– Então não foi a ambição que a levou até ao topo da sua carreira profissional?
– Nunca foi uma ambição desmedida. Não exigi mais da vida do que aquilo que ela me poderia dar. E acho que esse saber aceitar as coisas na sua medida é importante. Tudo aconteceu de uma maneira natural. Nunca me senti endeusada por nada, nunca senti o poder. E o poder é tão relativo… É o fio da navalha. As minhas vitórias, se calhar, foram mais públicas porque havia menos mulheres no mundo do trabalho. Mas nunca achei que tivesse feito mais do que as outras. Tive foi a sorte espantosa das pessoas terem notado e, aí sim, talvez tenha tido a preocupação de corresponder e de dar credibilidade àquilo que estava a fazer.
– Quando começou a trabalhar, havia poucas mulheres em cargos de chefia. Sente que quebrou barreiras?
– Não senti mais dificuldades do que sentiria um homem. O que senti sempre, e às vezes até me surpreendia com isso, foi um enorme respeito e uma admiração que achava que ultrapassava aquilo que tinha feito. Eu estava nas coisas de uma maneira muito autêntica. Essa naturalidade e autenticidade talvez me tenham facilitado a movimentação no mundo do trabalho. E acho que foi criada uma imagem de distanciamento que não era real. Recordo-me sobretudo de jovens que estavam a estudar e que tinham de fazer trabalhos e entrevistas e vinham ter comigo. Entravam timidamente, começavam as perguntas e, passados uns minutos, diziam: "Ah, estava tão cheio de medo antes de vir e afinal é tudo tão fácil." Acho que isso era um elogio.
– Alguma vez sentiu a responsabilidade de não poder desiludir os outros, aqueles que esperavam muito de si?
– Não. Não me preocupava com isso. Acho que essa atitude acontecia naturalmente e não pela preocupação de estar num jogo ou numa corrida. Eu tinha era de corresponder àquilo que tinha prometido a mim própria. Temos de ser fiéis para com aquilo que prometemos a nós próprios e corresponder à confiança dos que estão do outro lado.
– Não dispensa a ordem ou gosta de ser surpreendida por situações inesperadas?
– Depende do inesperado, mas é muito raro surpreender-me com as situações. Se me pergunta se os grandes problemas me surpreendem, digo-lhe claramente que não. E acho que tenho facilidade em resolver os grandes problemas rapidamente, imediatamente, para depois ficar com tempo para resolver os pequenos problemas, que são muitos. E resolvo mais facilmente os problemas difíceis do que os pequenos.
– E como é que uma pessoa tão exigente lida com o erro?
– Mas eu erro imenso! Ninguém é dono da verdade e tenho errado muitas vezes. Normalmente, aprendo com os erros, com os meus e com os dos outros. Tenho aprendido muito mais com as pessoas que têm determinadas atitudes de que não gosto, porque nunca as teria, do que com as outras. É uma obrigação nossa fazermos bem as coisas.
– E ainda sonha muito?
– Sim, muito. Mal das pessoas que não sabem sonhar ou chorar! Também choro e não me envergonho de admiti-lo. Agora se me pergunta que grandes sonhos tenho… Não sei. Gosto de sonhar, muitas vezes com um mundo melhor ou com coisas que gostava de ver realizadas, mas que é difícil, porque não dependem só de uma pessoa.
– Quem é a Rosalina, pelas suas próprias palavras?
– Sou uma pessoa inquieta. Gosto muito da vida, e da minha em particular. Sei conduzi-la. Sou de uma independência quase egoísta. Acho que sou egoisticamente independente. E aí tenho de tirar o chapéu ao meu marido, porque admite e respeita essa independência, como, aliás, eu respeito a dele. E tenho uma visão da vida que acho que é importante e realista. Tenho os pés assentes na terra. Tenho a noção da vida real, sempre tive. E depois é quase misturar o real com o não real. Mas este não real, são pequenas brincadeiras. É a antítese daquilo que realmente faço. É talvez quebrar um bocadinho a barreira. Mas não me pressiono e não me agrido por não fazer essas brincadeiras.
– E em que é que se traduz concretamente a sua inquietação?
– Em querer fazer mais. Por exemplo, se não fosse o que sou, gostava de cantar fado. É uma coisa que as pessoas não esperam de mim! Gostava de me meter num avião, com uns jeans e uns ténis, e ir para qualquer lado sem saber para onde vou. Esse é o meu lado inquieto. Mas, depois, eu própria procuro algumas barreiras para dizer que não posso fazer tudo. Gostava muito de ir ao Tibete, por exemplo, mas não vou, podendo ir.
– Acha que intimida as pessoas?
– Sim, no princípio, quando não me conhecem, mas passados dez minutos isso passa.
– Da maneira como falou do seu marido, parece que foi outra escolha muito bem feita…
– Ah, isso foi! Lá está, é o respeito pela independência de cada um. Passados quarenta anos, é muito difícil manter-se a paixão, mas eu e o meu marido construímos um sentimento que, quanto a mim, é muito mais difícil de destruir, que é feito de admiração, respeito, cumplicidade… A paixão é muito bonita, mas tem o seu tempo. O respeito é não camuflar o sentimento que não se destrói com o nome de uma coisa que já passou. E o sentido dessa realidade é importante.
– Mas a Rosalina e o Francisco parecem ser pessoas muito diferentes…
– Sim. O Francisco é uma pessoa muito radical, aliás, já o pai e o avô dele eram. Eu sou uma pessoa mais de consensos. E talvez isso nos aproxime. Também discutimos. Os casais que se dão muito bem e que são cinzentos não me parecem os mais sólidos ou felizes. Na vida há emoção e discussão. Nunca teria um casamento em que as pessoas vão a um restaurante e não trocam uma palavra. Isso seria impossível comigo! Nós somos assim.
– Depois de deixar a Ogilvy, continua empenhada em muitos projectos. Custa-lhe admitir que um dia vai ter de deixar de trabalhar?
– Acho que não. Não sei se serei obrigada a parar ou se, pelo contrário, iniciarei aquela caminhada longa que é o fim da vida ainda na plenitude das capacidades. Não sei, nem é uma coisa que me preocupe.
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