Chama-se Maria Isabel
d’Assunção Chaves de Brito e Cunha, nasceu no Porto, formou-se em
Secretariado e Relações Públicas, foi secretária da administração do Banco
Mello, da Petrogal e do gabinete do vice-primeiro-ministro e ministro dos
Negócios Estrangeiros do VI Governo Constitucional. Foi ainda assessora do
chefe do Protocolo do Estado, no Protocolo de Lisboa, Capital da Cultura e
EXPO’98, entre outras instituições. Frequentou o curso Saber Estar e Falar em
Público, da actriz Glória de Matos, tendo colaborado no livro Falar
Melhor e Escrever Melhor (Selecções do Reader’s Digest). Pontualmente,
colabora na TV para nos elucidar sobre etiqueta e cortesia. Foi agraciada com
múltiplas ordens honoríficas, entre as quais a Ordem Nacional de Mérito
(Portugal) e a Royal Victorian Medal (Reino Unido). Acaba de lançar o livro Saber
Ser, Saber Estar e Saber Viver e conversou connosco na sua casa do Campo de
Santa Clara, em Lisboa. Tem três filhos e três netos.
Rita Ferro – Qual a base de toda a cortesia, Isabel?
Isabel de Brito e Cunha – Diria que é uma série de comportamentos
adequados à sociedade, adquiridos através de uma educação saudável da
tolerância, boa convivência, bons sentimentos e, em especial, do uso do bom
senso. Segundo Thomas Fuller, “a cortesia é a companheira inseparável
da virtude”.
– Reparei numa nota sua, no livro, em que diz que a toda a cortesia pode
corresponder um direito a abdicar…
– Em sociedade todos temos direitos e deveres. Manda o bom senso que, em
determinadas circunstâncias, deverão os deveres sobrepor-se aos direitos: “A
nobreza de carácter assim obriga” (noblesse oblige).
– Estabeleçamos primeiro a diferença entre protocolo e etiqueta…
– Protocolo é um conjunto de formalidades e preceitos que se devem observar em
cerimónias oficiais e em actos solenes. Etiqueta é um conjunto de regras ou
normas ou, ainda, as chamadas boas maneiras usadas em sociedade.
– O que é cortês aqui pode ser grosseiro noutra latitude…
– A globalização tem vindo a tornar cada vez mais premente a necessidade de
conhecermos as diferentes culturas. Na China, é uma desonra para o dono da casa
se não fica comida no prato, significando falta de generosidade. Nos Estados
Unidos, o convidado deve comer tudo, já que o contrário significa não ter
gostado da refeição. No Japão, ao oferecer-se um presente, este não deverá ser
aberto perante o ofertante.
– Estamos a tomar chá em sua casa. Reparei que as chávenas não foram
previamente postas. Estavam juntas a um canto e só depois de nos sentarmos as
colocou na mesa…
– O cerimonial do chá tem os seus preceitos, que são a razão do seu atractivo: “É
da competência da mulher, é ela quem convida e faz as honras, mesmo que os
homens também participem; ao contrário de uma refeição normal, a mesa para o
chá nunca é posta, uma vez que a tarefa de servir o chá pertence exclusivamente
à dona da casa, sendo dispensada a presença de uma empregada, pelo que as
chávenas serão ordenadas junto à anfitriã ou numa mesa de apoio”.
– Reparei que nos convites oficiais a homossexuais, casados ou em uniões de
facto, começa a ver-se internacionalmente uma expressão alternativa a marido ou
mulher, que é significant other. O protocolo e a etiqueta têm sabido
acompanhar os novos formatos familiares?
– A expressão significant other, em minha opinião, aplica-se
geralmente num contexto empresarial. Num evento social a maneira mais correcta
e elegante será o envio de dois convites. Cabe ao protocolo de cada Estado
definir o reconhecimento das diferentes situações, não estando estes casos
ainda generalizados.
– A casaca é o único traje que permite usar condecorações, diz na página
107. Reparo que é também o que se usa em Estocolmo, no recebimento de um
Nobel. Mas na série Downton Abbey, basta que a avó Violet jante para que
toda a família troque o dinner jacket pela casaca (risos).
– A casaca, evening coat, aparece na corte britânica no século XIX,
sendo considerado o traje nocturno masculino de maior formalidade. Era usado ao
jantar, refeição de excelência, na corte e na alta sociedade inglesa. Mais
tarde e, conforme descrito no meu livro, um membro da corte do rei Eduardo
VII cansado do incómodo das abas traseiras, mandou-as cortar, dando lugar
ao smoking, dinner jacket. A casaca manteve-se, contudo, para
cerimónias mais formais. A série Downton Abbey passa-se nessa época e a
avó Violet, matriarca da família, dificilmente aceitaria essa ‘modernice’…
– Sentar as pessoas à mesa também é uma ciência…
– A filosofia que define a distribuição dos lugares num jantar oficial ou de
cerimónia deverá ser a mesma em nossas casas. Obviamente, as pessoas mais
velhas terão preferência sobre as mais novas, e os de menor intimidade sobre os
de maior relacionamento; o bom senso e o respeito pelos outros terão de caminhar
juntos.
– Sei de um ministro no activo que passa sistematicamente à frente da
secretária, no elevador. E já vi um secretário de Estado cuspir no chão no
intervalo de um congresso. Como acha que se comporta socialmente esta nova
classe política?
– Como é narrado na página 60 do meu livro, a mulher como profissional, ou
mesmo a que lidera, deverá ser tratada como tal, mas saber aceitar e
corresponder perante a sua posição hierárquica. Competirá à mulher evitar
situações embaraçosas, usando o seu bom senso, como o afastar-se ligeiramente
ou, como se diz no Brasil, “não se pôr a jeito”, nem que para isso tenha
que engendrar uma desculpa. Contudo, situações existem em que o homem (mesmo
quando hierarquicamente superior) deverá dar a prioridade à senhora, como é o
caso do elevador que, como é óbvio, foi uma grosseria. No meu entender, parte
da nova classe política precisava de dar uma vista de olhos no meu livro, de
fácil leitura e isento de impostos. A autora ficaria satisfeita e os
portugueses reconhecidos.
– Uma gaffe que conheça?
– No decorrer de um almoço entre amigos, uma convidada estrangeira
criticava o provincianismo da sociedade portuguesa. Sentindo-se atingida, uma
das presentes confrontou-a, narrando um pequeno escândalo publicado nessa
semana numa revista estrangeira da actualidade, que trazia consigo. A dona da
casa, apercebendo-se do rumo que a conversa tomava, fez-lhe sinal, mas já não
foi a tempo. O protagonista do dito escândalo era marido da convidada estrangeira,
que pernoitava em casa da anfitriã para se recompor do desgosto, e que, sem
mostrar parte fraca, escusou-se e levantou-se da mesa. O ambiente, claro, ficou
gélido.
– Alguém escreveu que é preciso conhecer as regras para se poder
transgredi-las. Uma coisa é falhar por desconhecimento, outra, por diletância?
– Sim, realmente deverá ser-se conhecedor das boas regras para se poder
transgredi-las ou melhor dizendo, modificá-las a seu belo prazer. Contudo, será
necessário bom senso, sentido de oportunidade e o chamado savoir faire
(habilidade). Para os desconhecedores, terão humildemente que se aconselhar, o
que só lhes fica bem. Quanto aos que fazem gala no desprezo pelos bons
costumes, esses certamente que não se conhecem ou não se aceitam tal qual são e
confundem a própria personalidade com a originalidade e a marginalidade. Como
escreveu Montesquieu, “um povo defende com mais paixão os costumes
que as leis”.
– Que áreas abrange o seu livro?
– Todas. Desde os primeiros cuidados da criança, enquanto bebé, até à sua
inserção na sociedade. Os diversos temas de aconselhamento que o compõem
relatam detalhadamente o diário de uma vida no Planeta Terra, habitada por
seres humanos que se dizem civilizados, passando pela cerimónia do casamento,
profissão e convivência, terminando no último passo da vida que, como se sabe,
é a morte e o luto.
– Que conselho daria a alguém com pouca experiência social, ansioso sobre o
comportamento a adoptar?
– Ler o meu livro, procurar formação ou um bom conselheiro.
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo
ortográfico
Isabel de Brito e Cunha: “A cortesia é companheira da virtude”
Especialista em etiqueta e cortesia, Isabel de Brito e Cunha lançou recentemente o livro “Saber Ser, Saber Estar e Saber Viver”. Recebeu Rita Ferro em sua casa, no Campo de Santa Clara, em Lisboa.
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