Há histórias assim, em que nem a diferença cultural e linguística trava um grande amor. Que o digam o português
Luís Aranha e a tunisina
Besma, de 54 e 39 anos, respectivamente. Ele é CEO e presidente do grupo Ana Salazar, nasceu em Lisboa, viveu em Goa dos cinco aos 11 anos, morou em Tóquio durante dezasseis anos e esteve casado durante 25. Dessa relação, tem três filhos,
Maria, de 37 anos,
Luís Maria, de 31, e
António, de 24. Ela é engenheira electrotécnica, nasceu na Tunísia e nunca tinha pensado casar-se ou ter filhos, pois o trabalho era a sua prioridade. A vida de ambos mudou totalmente no dia em que se cruzaram no aeroporto de Tóquio, a caminho da Alemanha. Em Abril de 2006, casaram-se, na terra natal de Besma, e hoje têm um filho, Francisco, de dois anos. Em Setembro, vieram para Portugal, e é aqui que pretendem ficar. Uma história que nos contaram durante uma conversa na casa de ambos, em Cascais.
– Conheceram-se num aeroporto…
Luís Aranha – Em Tóquio, no
business lounge. Íamos viajar para a Alemanha e ficámos sentados ao lado um do outro. Não havia mais ninguém no
lounge e começámos a conversar casualmente.
– Houve uma empatia imediata?
– Sim, penso que da parte de ambos. Julguei que a Besma estivesse ligada ao mundo da moda, pois é alta, bonita e estava vestida de preto. Quando me disse que era engenheira, até fiquei um pouco desiludido. [risos] Trocámos cartões e cada um seguiu o seu caminho.
Besma – Só mais tarde, já depois de estarmos juntos, é que percebemos que nos tínhamos apaixonado naquele instante.
– Nessa altura, a Besma morava na Alemanha e o Luís em Tóquio. Tinham uma relação à distância?
Luís – Nos primeiros tempos, depois do primeiro encontro, não nos voltámos a ver, embora falássemos. Depois, encontrámo-nos algumas vezes, pois a Besma tinha um cliente em Tóquio, acabámos por nos conhecer melhor e decidimos casar-nos.
– Foi um pedido formal?
– Muito. [risos] A Besma é árabe e tive de ir à Tunísia falar com o irmão mais velho dela. Discutimos e acordámos tudo o que seria necessário em relação ao futuro. Nessa primeira vez, não conheci a mãe da Besma, só na segunda visita é que conheci a família. Foi um pouco como voltar aos 20 anos. [risos] Mas depois acabei por ser muito bem aceite.
Besma – Agora posso mesmo dizer que o Luís é o genro favorito da minha mãe. Ela adora-o e já ultrapassou totalmente o facto de ele ser um estranho e português.
– O facto de o Luís já ter sido casado e ter filhos, trouxe-lhe algum tipo de constrangimento?
– No início, acho que pesava mais o facto de ele não ser tunisino e não o facto de já ter sido casado. Assim que se conheceram, todas as barreiras foram postas de parte e as pessoas passaram a ser somente pessoas. Somos a ponte entre dois mundos.
– Casaram-se em 2006, na Tunísia. Foi uma cerimónia árabe?
– Completamente, e muito bonita. Foi um casamento de quatro dias, e a minha mãe foi a maior dançarina daquelas festas todas. [risos] Foi toda a família, e ainda imensos amigos da Alemanha e do Japão. Tenho a sensação de que nunca aquela aldeia terá recebido tantos estrangeiros. Existiam alguns preconceitos em relação aos estrangeiros que acho que deixaram de existir desde esse dia.
– Adaptaram-se bem aos hábitos um do outro?
– A cultura europeia não me era desconhecida, até porque fui para a Alemanha aos 18 anos.
Luís – Eu também vivi quase sempre fora de Portugal e sempre me habituei a outras culturas e a conviver com pessoas diferentes. Para mim, a cultura não é uma barreira. Somos um pouco cidadãos no mundo. Claro que há coisas no dia-a-dia que devem ser geridas mais racionalmente, mas a maior parte das diferenças encaramos com naturalidade, respeitando a cultura um do outro.
– Depois de se casarem, foram finalmente viver juntos…
– Sim, primeiro em Tóquio, depois na Alemanha, onde estivemos um pouco mais de dois anos. Depois estávamos indecisos entre vir para Portugal ou ir para a Tunísia, e com a oportunidade de trabalho que me surgiu, acabámos por decidir vir. Hoje em dia, a Besma está a fazer uma pausa no seu trabalho para estudar português e adaptar-se ao País. O nosso sonho é morar entre Portugal e Tunes.
– O facto da Besma ter deixado a sua carreira pode ser considerado uma grande prova de amor…
Besma – Foi uma decisão de família. O Francisco é muito pequeno e queríamos estar mais perto dele e transmitir-lhe as nossas raízes, que estão em Portugal e na Tunísia. Precisamos de viver em ambos os países para que ele desenvolva essas raízes e se sinta em casa em ambos os locais. Claro que para o Luís é mais fácil, por razões óbvias, e eu encaro tudo como um investimento.
– E em que língua falam com o Francisco?
– Eu falo em árabe, os três falamos em inglês, e ele frequenta a escola alemã. Recentemente começámos a falar também em português.
Luís – Ele entende perfeitamente as três línguas e fala um pouco de português.
– O Luís acaba por ser agora um pai mais presente do que quando viviam na Alemanha, com viagens constantes…
– Muito mais. Aliás, a minha experiência com o Francisco é especial, pois com os meus primeiros filhos não tive tempo. Nunca tinha mudado uma fralda na minha vida. Tenho uma boa relação com os meus filhos, mas tenho gozado mais o Francisco enquanto pai. Antes de nos mudarmos para cá, viajava todas as semanas e estávamos pouco tempo juntos, agora até isso mudou.
– A sua filha mais velha tem 37 anos e o mais novo dois. São experiências totalmente diferentes…
– Sempre tive uma relação muito próxima com os meus filhos, com o Francisco, além disso, tenho acompanhado o seu crescimento. Penso que ser-se pai mais velho, e quando se é mais maduro e se tem confiança na vida, é mais interessante. Também vivemos muito para os três e gozo muito o Francisco.
– E a Besma, como se dá com os filhos do Luís?
Besma – Muito bem. Claro que a princípio estava um pouco preocupada, mas correu tudo muito bem. Eles tornaram muito fácil para mim pertencer a esta família.
– Sentem a diferença de idades?
Luís – A única coisa é que algumas vezes ela não tem energia para mim. [risos] De outra forma, não. Nunca sentimos essa diferença.
– Sentem que o amor vive somente dele próprio?
– Nem pensar, o amor é uma relação íntima de dentro para fora, mas depois também deve ser gerida de fora para dentro. O amor é uma relação. Para mim, é a razão para justificar tudo, mas depois é preciso gerir a relação, tem de haver cedências.
Besma – Cedemos naturalmente e, para mim, o fantástico é que sempre que chego a casa e vejo o Luís, fico tão feliz e sinto-me tão apaixonada… O Luís costuma dizer que está mais apaixonado agora do que quando se apaixonou.
– A sua vida mudou por completo por causa do Luís…
– Nunca pensei que seria assim. Sempre achei que teria uma vida de maria-rapaz… Os estudos sempre estiveram em primeiro lugar, depois o trabalho, e de repente vi-me com outra vida. Só quando conheci o Luís é que percebi que poderia haver algo mais e acabei por também gostar dessa sensação. Quando estávamos juntos, até cozinhava, o que era impensável antes. Realmente, a minha vida mudou muito e para melhor.
– E para o Luís, foi como uma lufada de ar fresco?
Luís – Penso que sim. Foi completamente diferente de tudo o que tinha vivido antes, temos uma boa química e acho que esse é o elemento-chave. A minha vida recomeçou.
– Vão deixar o Francisco optar entre a religião católica e a muçulmana?
Besma – Em termos de religião, não há grandes diferenças entre nós, pois o que interessa são os princípios. Os valores são os mesmos, e isso é que é importante.
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