Uma tarde de conversa com uma amiga de infância que cursava Ciências da Nutrição foi quanto bastou para que a sua vida profissional ficasse decidida. Alexandra Bento, há dez anos presidente da direcção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas – APN, era, aos 18 anos, uma estudante que, tal como muitos outros candidatos à universidade, tinha dúvidas quanto ao rumo a tomar. Sabia que queria enveredar pela área da saúde, mas faltava-lhe a convicção forte do que queria fazer. "Aquela conversa foi totalmente esclarecedora. A minha amiga falou-me do curso com tal entusiasmo que fiquei fascinada. Ela nem se apercebeu de como mudou a minha vida", recorda, 22 anos depois de um acaso que acabaria por definir uma carreira feita ao serviço da nutrição. O curso tirou-o na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, "a única universidade pública portuguesa a licenciar nutricionistas", na época uma formação pouco divulgada. Tanto tempo passado sobre este episódio, a presidente dos nutricionistas portugueses recorda o motivo de escolha tão rápida: "Disse-me que o curso fazia a correlação entre nutrição e saúde e que se poderia vir a trabalhar no contexto da prevenção e tratamento da doença pela alimentação." Abria-se um mundo novo para a estudante de Amarante, prestes a mudar-se para o Porto, onde ainda vive com o marido, Ricardo Pinto, engenheiro civil e gestor de empresas, actualmente a liderar um projecto em Angola ligado a actividades ambientais, e os filhos, Miguel, de 13 anos, e Beatriz, de oito. "A eles devo o meu equilíbrio emocional", destaca.
Alexandra Bento – Se quando entrei para a universidade se começava a ligar a alimentação à saúde, hoje sabemos que há uma relação directa entre aquilo que comemos e certas doenças. Actualmente, as patologias infecto-contagiosas não são a grande franja de mortalidade, mas sim as crónicas não-transmissíveis, como as cardiovasculares, a diabetes e a obesidade, que só por si é uma doença e um factor de risco para muitas outras. Neste quadro, o nutricionista é uma peça- chave para a saúde do País.
– Somos realmente aquilo que comemos?– Sem dúvida alguma. A forma como nos alimentamos, mais ou menos correctamente, vai influenciar a nossa longevidade, o bem-estar físico e mental, o peso, as doenças que já temos ou possamos vir a ter. O que somos depende muito do que comemos na infância, na adolescência, na fase adulta, e quase me atrevia a dizer do que a nossa mãe já comeu, nomeadamente durante a gravidez.
– Vai variando, mas há uma base que é mais ou menos constante: leite, pão torrado com pouca manteiga e sumo de fruta fresca. Às vezes, iogurte com cereais, com chá ou café a acompanhar. O almoço e o jantar têm a mesma estrutura: sopa, prato de peixe ou carne com arroz, massa ou batata e ainda legumes. No fim, uma peça de fruta.
– É importante não só o que se come como também a forma como se come. É de calcular que tenha cuidados também nessa área…– Todas as principais refeições são feitas em família. Consegui organizar a minha vida de modo a partilhar com os meus filhos a hora das refeições, feitas sempre de forma tranquila. O meu local de trabalho e a escola deles ficam relativamente perto de casa, foi uma opção que pude tomar, posso considerá-la um investimento. Considero que este tipo de vida dá equilíbrio à minha família.
– É difícil controlar o que as crianças comem fora de casa…– Não tenho uma atitude controladora em relação a isso. Os meus filhos interiorizaram este estilo de vida naturalmente. Se lhes apetecer um refrigerante, eu dou-lhes! Não quero passar a ideia de algo proibido, que só desperta ainda mais interesse, mas a verdade é que raramente o fazem.
– É fundamental não se iniciar o dia com stresse. Levanto-me com tempo necessário para fazer tudo com calma, nomeadamente tomar o pequeno-almoço. Quando estamos num estado de ansiedade o estômago produz muito mais ácido gástrico, o que é prejudicial. Penso que algum sentido de disciplina e de domínio na realização das tarefas a que nos propomos é um bom antídoto para o stresse.
– Em fase de crise, como se pode gerir a questão da alimentação?– Penso ser uma boa altura para repensarmos a nossa alimentação e tentarmos comer melhor gastando menos, o que não é impossível. Tem a ver com a gestão de alguns momentos do dia. O pequeno-almoço tomado em casa, em vez de no café, pode ser mais rico nutricionalmente e também mais económico. O mesmo se passa em relação ao que se pode levar de casa para comer a meio da manhã ou da tarde e ainda ao almoço. Tudo isto representa muito dinheiro, fica pelo menos a metade do preço.
– E quanto à despensa anti-o Portuguesa de Nutricionistas recebeu-nos em sua casa na companhia dos filhos: Miguel e Beatrizcrise?– Mais do que nunca, nesta fase é indispensável que se faça uma lista de compras rigorosa. Compra-se aquilo de que não se necessita e, muitas vezes, alimentos com excesso de sal e de gordura, perfeitamente dispensáveis numa alimentação saudável.