Chegou à hora marcada ao local combinado: às dez da manhã, no Chiado. Além do álbum a solo, Companhia das Índias, Rui Reininho apareceu com outra novidade: uma maneira diferente de ver o mundo. Trocou as noites pelas manhãs, aderiu ao poder da meditação e das medicinas alternativas. "Estou mais relaxado em termos de vida", diz. Mas, ainda assim, não matou o rebelde que há em si e que tão bem conhecemos. A CARAS foi conhecer este homem novo. – Porquê este álbum a solo?Rui Reininho – As coisas foram acontecendo. Vai fazer cerca de dois anos que comecei a trabalhar em Lisboa com o Armando Teixeira, fomos reunindo coisas, gravando…Digamos que me levanto mais cedo e, como comecei a trabalhar muito de manhã, começou a sobrar-me bastante tempo… e com o Armando é bastante fácil trabalhar. Depois, foi quase como uma colmeia, foi atraindo os ursos (no bom sentido). Foi uma aprendizagem muito grande e, para já, estou muito satisfeito com esta vitória. "Agora sou um homem que não fuma, não bebe bebidas brancas (…) Mas não me tornei um moralista, gosto imenso de borga." – Os seus colegas dos GNR não ficaram ressentidos?- Não, acho que há espaço para isto, não noto ressentimentos. E isto foi uma necessidade minha de aprender com outras pessoas. Por exemplo, no início deste século fui outra vez para a escola, mas como docente, porque queria estar com outras gerações, para saber o que pensavam, quais as suas vivências. A minha escola foi a da vida e sou um bocado teimoso, por isso, acho que a única maneira de aprender é no convívio com os outros. – Diz estar mais relaxado em termos de vida. Qual foi o porquê dessa mudança?- Foi por uma questão de necessidade. Também, o exercício da paternidade dá cabo daquele egoísmo em que a pessoa tem o seu ritmo. Passo todo o tempo que posso com o meu filho. Não ia ficar naquele ritmo de acordar às duas da tarde e o miúdo que se lixe. Até porque há um mundo maravilhoso, que é o das manhãs, que é bastante agradável e saudável. Comecei a descobrir outros prazeres que quero manter, como o ioga, os gongos… Tenho é, às vezes, um pouco de dificuldade no meu business, porque antes das dez não consigo falar com ninguém. Estou à espera que toda a gente acorde. [risos] – Os 53 anos também já começam a pesar?- Canso-me mais, é verdade. [risos] Em termos artísticos, só tenho uma dificuldade, que é viver num país mediterrânico, virado para o Sul, e os espectáculos começarem tarde, o que já me afecta. "[Sobre a namorada] É uma relação muito calma e harmoniosa, que é o que se pede (…) não estou em grandes circunstâncias de ter vidas muito agitadas." – A fase de excessos na sua vida já passou? O tempo do sexo, drogas e rock’n’roll já foi?- Sim. E resolvi isso de uma maneira muito pacífica e com muita sorte. Agora sou um homem que não fuma, não bebe bebidas brancas… Já bebi tudo o que tinha para beber. Não aguentava o ritmo, era incompatível. Comecei a observar-me e achava desagradável em termos comportamentais. Já não gosto de me ver assim. Mas não me tornei, de maneira alguma, um moralista, gosto imenso de borga. – Continua a ter as suas farras à noite?- Sim, não estou em retiro espiritual. – E acha que foi o facto de ter sido pai que o mudou…- Sim… mas eu tomava minimamente conta de mim, embora, às vezes, de uma maneira desabrida. Mas a paternidade muda-nos, temos de passar a contar com mais alguém. Tal como o exercício de afecto também muda muito as pessoas, uma boa relação também nos muda, porque temos forçosamente que entrar no ritmo da outra pessoa e fazer com que resulte. Tive alturas da minha vida em que fui bastante feliz e não precisava de andar aí à procura, à caça. [risos] "Passo o tempo que posso com o meu filho. Não ia ficar naquele ritmo de acordar às duas da tarde e o miúdo que se lixe." – Que género de pai é? Conversa abertamente com o seu filho?- Sim. E não minto, porque sermos apanhados a mentir é das piores coisas. Ele agora está a começar a ter uns comportamentos um pouco mais desviados, perigosos, e falo abertamente com ele. Porque proibir ou censurar é um comportamento muito rígido, que sei por experiência própria que leva a desvios. E eu prefiro que ele continue a contar-me as coisas. – E ele segue os seus conselhos?- Agora tem tendência para uma postura mais rebelde, é próprio da idade. Acho que tem de descobrir as coisas por ele. Mas gosto muito de o ouvir, é outra geração. É importante ouvir o que há de novo, tal como se deve, também, deixar envelhecer as coisas. Acho que se perdeu o respeito pela velha sabedoria. Então no caso das mulheres, é terrível. "O amor é para sempre… até acabar. Uma pessoa, se calhar, acorda de manhã e já não sente… Percebo isso perfeitamente." – Porquê?- Gosta-se da moça desejável porque é desejável, depois da moça-mãe enquanto é fértil e um alvo de mercado, mas põe-se muito de lado as mulheres sábias. E são elas, de facto, que sabem coisas extraordinárias. Eu fico espantado com a minha mãe, que, com 86 anos, ainda me diz coisas que não sei. Ainda há dias estávamos a passear e fiquei a saber que há uma erva daninha chamada saramago. [risos] Estou sempre pronto a aprender. – Tem uma boa relação com a sua mãe?- Sim, sim, muito boa. Para ela continuo a ter uns dez anos. Diz que estou outra vez muito magrinho e que preciso de descansar! Diz-me que estas coisas do disco não me fazem nada bem. [risos] Quando saio à rua, diz-me sempre: "Olha o cachecol, que está muito frio." Passamos muito tempo juntos, até porque ela agora tem necessidade de apoio. É viúva e eu sou filho único… "[Sobre o CD a solo] Foi uma aprendizagem muito grande e, para já, estou muito satisfeito com esta vitória." – E não tem uma namorada que o apoie nisso?- [risos] Disso não me tenho queixado, nem posso. Tenho tido muito apoio, que é recíproco. As mulheres têm sido muito boas para mim. Péssimas em certas circunstâncias, mas muito importantes em certas fases da vida. Agora, não adianta compreendê-las, já desisti. Há quem diga que são para ser amadas e não compreendidas. Quem disse isso foi um homem com muita paciência, de certeza. Fazemos o que podemos! [risos] – Mas tem namorada?- Tenho… estou num momento bastante feliz da minha vida, muito equilibrado. É uma relação muito calma e harmoniosa, que é o que se pede. Como estou muito dividido entre o Porto e Lisboa, não estou em grandes circunstâncias de ter vidas muito agitadas. Este último ano foi com a escova de dentes atrás, tudo a duplicar, é uma vida difícil. Mas sou um homem frugal, contento-me com pouco, até há quem diga que sou um bocado forreta! [risos] "As mulheres têm sido muito boas para mim (…) Agora, não adianta compreendê-las, já desisti (…) Fazemos o que podemos." – Agora que está numa fase de mudanças, sente-se capaz de se casar e ser fiel até à morte?- O amor é para sempre… até acabar. Uma pessoa, se calhar, acorda de manhã e já não sente… Percebo isso perfeitamente. Esta coisa dos espectáculos… os nervos que se sentem quando se faz um espectáculo são quase os mesmos que se sentem quando se vai ter com alguém, aquela coisa na barriga, de pensar: ‘Será que vem atrasada, compro ou não uma florzinha?’ – Esse frio na barriga acaba por passar, é isso?- Passa por outras fases, que também terão os seus prazeres. Ter companhia e cumplicidade é uma coisa fantástica. Não precisar de falar muito, não precisar de justificar tudo… E é muito embaraçoso não conhecermos bem a outra pessoa. Basta pensar nos elevadores. Há relações que são um bocado como os elevadores, onde de repente há uns andares em que a coisa se torna embaraçosa e se fala sobre o tempo.
Rui Reininho: O homem novo que trocou as noites pelas manhãs
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